sábado, 4 de agosto de 2012

Minha medíocre volta


Eu coloquei a mão na maçaneta e virei como se não estivesse ausente por nove anos. Abri a porta e entrei certa de que seria ali meu refugio para os dias que se seguiriam. Que pai nega lar para uma filha? Eu acreditava piamente que nenhum. Minha mãe abriu os braços e me deu um abraço apertado com as lágrimas correndo pelo rosto. Acho que eram lágrimas de felicidade. Meu pai estava sentado no sofá e lá permaneceu se dignando apenas a um oi seco e que mal pode ser ouvido. Não que eu esperasse que aquele homem me recebesse de braços abertos depois de toda nossa história de vida que era dolorida para ambos.
_o que você faz aqui? _ Foi sua pergunta depois do oi que somente ele ouviu.
Ele tinha o dom exato de tornar a vida das pessoas a sua volta insuportável.
_Ela voltou para casa. _ Minha mãe tratou logo de esclarecer.
_Você sabe muito bem que essa casa é pequena demais para mais uma pessoa. _ disse ele da forma mais rude que sabia falar.
Eu escutava tudo aquilo incrédula de que pudesse existir tanta frieza assim em uma só pessoa. Minha mãe se colocou a minha frente e disse que se eu não ficasse ela também iria embora. Ele deu de ombros virou novamente para a televisão e continuou assistido o que fosse que estava passando naquele momento. Eu não conseguia mover meus músculos. Eu tinha chegado ao fundo do poço. Ao sair de casa havia dito a mim mesma que jamais voltaria. Que jamais pediria clemência ou asilo. A vida da voltas e às vezes é preciso voltar às raízes e acertar contas com o que deixamos pendente para trás. Isso acontece inevitavelmente até sem que percebamos. Se no passado ficar alguma coisa pendente as contas terão que serem acertadas mais cedo ou mais tarde. E ali estava eu para acertar minhas contas com meu passado.  Já era noite e minha mãe tratou logo de me preparar um bom lanche e enquanto eu comia preparou minha cama. Acabei de comer e fui logo me deitar. As malas ficariam para o dia seguinte, se é que seriam desfeitas. Me deitei. Logo todos se deitaram também. O silêncio enfim reinou. Eu me virava o tempo todo na cama, meus pensamentos não me permitiam fugir da figura amarga daquele que deveria ser meu pai. Comecei a chorar. Eu calada com as lágrimas escorrendo invejava as pessoas que tinham um pai para amar. Um ser que parecia com um super herói e que era motivo de orgulho. Eu queria sumir. Pegar minhas coisas, cuspir toda a verdade na cara dele e desaparecer como órfã, sem ter para onde ir e sem um passado para ser lembrado. Realmente era amargamente impossível amar aquele ser que me dera um vagabundo sobrenome. Eu voltara, depois de anos, humilhada, sem dignidade alguma, sem lar, sem direção e cheia de dor. E ele fazia questão de apertar com seu dedo polegar bem em cima da ferida aberta. Como amar um ser que me transformara na desgraça que sou? O mundo gritava na minha cara com todas as letras que eu deveria lhe ter apreço, mas deitada naquela cama, na mais profunda solidão eu só conseguia odiá-lo da minha melhor forma. Ele era odioso até para quem não o conhecia. Eu havia me transformado em uma mulher culta, de certo modo era inteligente, digamos que bonita, mas ficava a cada dia mais claro que eu teria tudo eternamente, porém amor não era uma coisa que me pertenceria. Dizem que a base familiar era o segredo do sucesso, logo eu não conheceria o sucesso partindo desse ponto. O mundo do lado de fora da janela estava se cagando para isso e eu chorava. Não porque era fraca e sim porque me era a única alternativa naquele momento. Me levantei. As lágrimas me sufocavam. Pensei em colocar fim a minha medíocre existência e me descobri covarde até para isso. Eu fracassava até quando era necessário ao extremo. Me sentei no chão do banheiro sobre o tapete e fiquei longamente cogitando todas as possibilidades que existiam para por fim a toda aquela angustia. Minha mãe roncava como sempre alheia a tudo. Inerte no seu mundo que eu jamais conseguirei compreender. Eu só queria por um instante ter o poder mágico de tocar o foda-se para tudo e em um rompante juvenil juntar meus trapos e ver o mundo do lado de fora. Mas eu não queria mais ser miserável. Coloquei a música deja vu da Pitty para tocar e fiquei procurando aquela mulher fria que eu sempre fora. Eu estava só no mundo, não da boca pra fora, coisa séria. Aqueles que queriam se aproximar eu me cagava para eles. Não porque os odiava e sim porque não suportava seus olhares de pena e reprovação. O mundo me cobrava amadurecimento, porém o cara que deveria me ensinar sobre isso era um completo bosta. Era isso. O mundo em silêncio me observava dando braçadas na merda que era minha vida. Aquele que me dera nome na certidão de nascimento dormindo sono pesado e sereno. Minha mãe roncando seu remédio para dormir. E eu sentada naquele banheiro não vislumbrando nada, envolta em lágrimas e mais lágrimas que não se cansavam de escorrer. Pena que esse não era o fim. Novos dias surgiriam até que eu tivesse a coragem para por fim a tudo. Mais certo que os dias surgiriam um após o outro e eu assistiria tudo do camarote da desgraça como sempre fora.

2 comentários:

  1. Lindo!
    sinto tanta coisa parecida, tanta angustia!
    foi bom ler suas cronicas!
    você esta de Parabens Cris!!

    Renata Pereira(Treinando da Alma viva)

    ResponderExcluir
  2. Seja ainda mais forte!!Vença mais essa.voce é muito capaz!!!Beijo!!!
    Jorginho(vc se lembra?)

    ResponderExcluir