domingo, 3 de abril de 2011

O admirável rei mago

                Quando era criança eu conheci um senhor que naquela época para mim já era velho.
                Tinha um semblante simples. Barba branca, porém cuidada.
                Minha família tinha uma padaria e ele ficava muito ali. Não me lembro exatamente o que ele fazia lá. Sempre pensei que era somente por gostar muito de nós. Meu pai e minha mãe para ele eram reis e eu a princesinha. Na ingenuidade dos meus 11, 12 anos (não sei ao certo), não entendia toda devoção que existia por trás da forma como ele nos intitulara e chamava sempre que queria falar conosco.
                Ele tinha um carinho e uma humildade que me faziam, já naquela idade, gostar muito dele. A vida nos levou a outros lugares. Eu mais ainda, por ir morar em outra cidade anos depois. Por muito tempo não vi mais aquele senhor amigo que sempre muito me marcou. Até sem entender como, sentia saudades. Minha vaidade me permitia gostar de ser chamada de princesinha. Mas ele era genial. Tinha realmente uma admiração até mesmo humilhante por nós. Sempre fomos muito afeiçoados a ele também, só que em uma admiração mais distante. Nunca entendi como poderia me lembrar tanto daquele homem humilde se for levar em conta a pouca diferença que fez em minha vida. Diferença visível e palpável, pois diferença interior ele fez demais.
                Me lembro, quase que claramente de seu olhar, que dedicava toda sua devoção despretensiosa me encarando com amor. Olhar de um querer bem que na minha ignorância infantil eu desconhecia. Ele era um mago que me enfeitiçou. E como se pudesse tocá-lo, me lembrava, lembrava e lembrava... Até mesmo sem motivo para lembrar.
                Minha vida seguiu mediocremente comum. Na verdade para ele éramos ricos, vivíamos bem demais. O que ele não sabia é que estivemos por muitas vezes em situação pior do que a dele. Cresci como se o crescer mudasse alguma coisa naquele quadro medíocre meu. E ele por vezes esteve em meu pensar. Pensava onde ele estaria, se estava bem... Já me peguei pensando em momentos de aperto se também lhe faltava o pão.
                O futuro me reservava mais, muito mais...
                Voltei a morar na cidade em que nos conhecemos anos depois e minha vida seguia normal, sempre me lembrando dele. Num desses dias comuns, em que eu tinha contado o pouco dinheiro para comprar alguma coisa para comer, encontrei com ele no supermercado. Ele nem me percebeu, afinal eu havia mudado muito e acredito que pela idade, já estivesse um pouco desatento. Mas não resisti. Parei ele e disse:
                _Oi! Nem acredito! Que saudade do senhor!!
                Ele me olhou, a princípio com desconfiança, mas logo que me reconheceu com um olhar de surpresa e admiração disse:
                _Princesinha! Quem nem acredita sou eu. Você mexendo comigo no meio do mercado!
                Fiquei sem entender o que ele dizia por trás daquela admiração despretensiosa
                _Como assim meu rei? – Indaguei
                _Você, menina rica, lembrar-se de mim e me cumprimenta no meio do mercado. Sabe como é a gente pobre nunca espera isso.
                Ele não entendia e eu por um instante emudeci. Eu, que estava ali com o dinheiro contado, o encontrara e como se nunca tivéssemos nos distanciado o parava somente para um “oi”. Para ele não. Aquilo me deu a impressão de ser muito mais que isso.
                Ele naquele momento, sem perceber, me ensinara o valor de sermos quem somos porque o que importa é isso e não o que temos. Ele me mostrou que às vezes um gesto pode ser simples para nós, porém movimenta muitas vidas. Terminado nosso encontro saí muda, com um nó insistente na garganta.
                Fui pensando que eu era importante para alguém e o laço que nos unia era esse. Éramos importantes um para o outro, havíamos nos marcado mais do que sequer poderíamos imaginar.
                Como entender esses laços? Talvez a teoria de vidas passadas possa muito bem explicar. Em minha ignorância ainda infantil, também acredito que isso é amor. Pode passar o tempo que for que ainda estará em nós. Tanto é verdade que estou escrevendo num desses dias em que me lembro dele sem motivo algum.
                A ele dedico um REI maiúsculo, pois ele tem um trono guardado em meu coração.

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