sexta-feira, 25 de março de 2011

Criança

O surreal acontece quando menos esperamos.
Às vezes uma ida a padaria, sentar em um bar para tomar uma cerveja ou até mesmo dentro do ônibus em um dia comum como tantos outros que já existiram.
Num desses dias comuns entrei num ônibus cheio como sempre e fiquei de pé quase na porta por onde entrei. Sim, essa que escreve é uma pessoa normal e beirando a simplicidade.
Sempre procuro lugares estratégicos, de onde posso visualizar tudo dentro do ônibus com o simples virar do meu rosto. Um lugar onde o incomodo de um ônibus cheio possa passar quase imperceptível. Nesse dia isso era simplesmente impossível. Para onde a mudança constante das pessoas dentro do ônibus me levasse era onde iria ficar.
Num dos pontos entra uma jovem com seu filho no colo. Uma criança adorável. Aliás, todas são adoráveis para mim já que sou tão apaixonada por elas. Como sentar naquele tumulto? E, principalmente, como ficar de pé com a criança ao colo? Nesse momento pensei em perguntar se ela gostaria que eu a segurasse já que estava em um lugar melhor, mas outra pessoa ofereceu e a criança não quis. Normal entre crianças. São tão indefesas que vêem nas mães a segurança total de suas vidas. E naquele momento me questionei olhando em volta: como isso é possível? Em um banco estavam dois garotos, que pela sua juventude talvez não percebesse a necessidade real daquela mãe. No outro estava uma senhora com cara cansada e que precisava daquele tempinho sentada. Ao seu lado, uma jovem que poderia ceder aquele lugar. Atrás de mim era impossível ver qualquer coisa.
Os jovens continuaram impassíveis em sua pseudo rebeldia. Na frente deles a senhora e a jovem incomodadas começaram a se movimentar numa timidez idiota pensando em como ceder o lugar. Era perceptível. Quando de repente ouve-se o grito do trocador:
_Pessoal vamos ceder um lugar para a senhora com criança no colo ai, por favor!
_Senhora não, por favor – grita a jovem mãe.
Os dois garotos continuaram estáticos, como se não tivessem ouvido nada. Inertes em sua idiotice. A jovem sentada à frente levanta depressa como se tivesse levado um choque e diz:
_Pode sentar aqui. - Como se sua atitude fosse um favor a ser reconhecido.
Diante de todo esse quadro a criança agia como se fosse alheia a toda aquela situação, sem perceber o amor de sua mãe que a segurava com grande dificuldade. E quando ela finalmente se sentou eu pude chegar bem perto. Fiquei o observando e me enchi de uma sensação de carinho como se a conhecesse desde sempre. Ela, na ingenuidade e doçura do olhar de criança, que consegue perceber coisas imperceptíveis para nós, sempre tão envolvidos na correria do dia a dia, preocupados com desconforto de sermos encostados o tempo todo dentro do ônibus cheio, com as sacudidas do motorista impaciente e infeliz na sua vida do subemprego. Nessa ‘viagem’ de franqueza e percepções apuradas das coisas simples e belas a criança diz:
_ Olha o cavalo! – Que passava tranqüilo como se não percebesse a pressa de todo o resto.
Mais a frente, visualiza um túnel imaginário e insiste o tempo todo em que esteve dentro do ônibus.
_ Olha o túnel! Olha o túnel!
Eu continuei ali, calada, deslumbrada com sua percepção dessas coisas muitas vezes invisíveis para nós. Desci do ônibus com a alma tranqüila. Fui tomada por uma sensação de paz e uma vontade enorme de ter um filho para poder sempre viajar junto com ele por esse mundo onde tudo está sempre bem.
O olhar de uma criança pode nos remeter a épocas em que o mundo era colorido, onde o que víamos era pessoas gigantes que nos bajulavam o tempo todo. Tudo era divertido! Consigo entender. Sim, não sou louca a ponto não entender. Somos reféns apenas de nossas escolhas. Elas dizem muito do que somos. Ninguém pode chegar, nos tirar isso e sair impune.
Quando crescemos perdemos a ingenuidade do olhar que tínhamos em nossa infância. Perdemos as percepções simples de coisas simples. Às vezes, a banalidade do Túnel imaginário daquela criança dentro de um ônibus cheio e desconfortável pode amenizar o cansaço que a correria dos dias curtos nos impõe a viver.
Quem dera se tivéssemos um colo de mãe! Quem dera se pudéssemos nos jogar nele sem preocupações e quem sabe assim poder prestar atenção em coisas invisíveis que, acredito, nos cercam constantemente.

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Como já havia postado, e que por algum motivo aqui não mais está registrado, simplesmente adorei esse texto. Gostaria muito poder transcrever ipsis litteris as idéias daquele comentário, todavia, a idade e a memória já não me permitem tal luxo. De qualquer modo, viajei nas imagens que a criança via pela janela do coletivo. Me vi naquela situação. Por isso não há criança que não brigue para sentar no lado da janela. Parabéns!

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