sexta-feira, 22 de abril de 2011

Admirável mundo infantil

            Era uma tarde quente em uma cidade quente.
            Parecia que as roupas nunca mais se desgrudariam do corpo, pois o suor escoria. Dentro do carro estávamos eu, minha mãe e a menina que sempre será minha filha. Ela, um pouco gordinha, sentia demais o calor e como não se podia aliviar, naquele dia ainda trazia contigo a praga chamada piolho. Coisa de criança, ela tinha seis anos naquela época.
            E o calor nos consumia. De repente uma vozinha suave diz algo chocante no banco de trás:
            _ Nossa esse calor ta demais Cris. Deus que é esperto.
            Crédula que era demais naquela época e chocada questionei:
            _ Como assim?
            Como se aquilo fosse uma simples frase ingênua de criança ela se explicou:
            _ Ele ta lá no céu, bem no fresquinho, enquanto estamos aqui cozinhando.
            Naquele dia aquilo me pareceu apenas mais uma coisa que criança diz de engraçado. Porém o olhar infantil pode dizer muita coisa.
            Aquela menina que hoje esta no processo de transformação da puberdade, talvez nem se lembre que me deixou uma sementinha de questionamento.
            Seria Deus esperto por nos jogar aqui nessa selva, como animais selvagens, padecendo dores humanas, enquanto fica lá de cima comandando tudo como o maioral?
            Eu aprendi na minha infância que Deus é mau. Você não pode fazer nada que vá contra a lei de sei lá quem (Dizem que é dele mesmo) que ele irá te castigar eternamente. E eu na ingenuidade infantil tinha medo do ditador que ficava lá em cima.
            Lembro-me nesse momento do fato que me afastou totalmente da religião como é vista pelos evangélicos.
            Aos onze anos eu tinha o cabelo completamente despontado e um pouco abaixo da minha cintura. Era diferente das minhas amiguinhas. Os meninos me achavam feia e eu não queria aquilo. Nessa idade começamos a entrar no mundo da concorrência feminina. Num dia, me sentindo extremamente amargurada com aquilo, peguei a tesoura da minha mãe e cortei um pedaço do cabelo. Por saber que Deus era ruim e iria me castigar fiquei certa que haveria uma dolorosa punição. Mas para mim o que mais me preocupava era a atitude dos meus pais, eles reprovavam aquilo de forma veemente. Mas eu estava agora igual as outras meninas, me sentia melhor. Penteei os cabelos e saí com eles soltos. Não me lembro qual foi a reação da minha mãe. Só me lembro que ela contou ao meu pai e naquela noite sentados a mesa ela falava coisas que eu não entendia. Meu pai sim, me deixou uma marca profunda. Sentado, sem reação. A única coisa que se via eram suas lágrimas que não paravam de escorrer.
            Aquilo me machucou. Eu não sabia que algo que me pertencia pudesse fazer tanta diferença para ele ao ponto de fazê-lo sofrer daquela forma.
             Como eu poderia entender aos onze anos? Enchi-me de revolta e disse que aquilo era tolice. Meu pai como se não estivesse satisfeito em me fazer sofrer com suas lágrimas me levou diante do conselho de doze pastores, pedindo a eles que me excluíssem da comunidade por conta daqueles fios de cabelos que com certeza voltariam a crescer.
            Daquele momento em diante eu soube que não queria acreditar naquele Deus tão mau, tão cruel.  
            Hoje entendo que nossas atitudes nos adultos causam por vezes sensações que eles não sabem lidar. Mesmo sabendo que não é o correto, eles nos criam como posses.
            Pena meus pais se venderem ao demônio do medo. Pena meus pais temerem um ditador que não existe.
            Costumo dizer que existem várias formas de se dizer a mesma coisa. Pode se dizer que alguém é desprezível e a mesma te amar eternamente ou te odiar na mesma intensidade. Tenho certeza que em sua ignorância meus pais queriam, e ainda querem que eu me renda ao ditador também, pois disseram a eles que é bom, mas o argumento não foi correto.
            Pais, deixo aqui um pedido amoroso. Deixem seus filhos voarem alto em seus devaneios. No mundo das crianças existem regras que não são para serem entendidas por nós.
            Certa vez, lendo Rubem Alves, entendi isso perfeitamente.
            Ele estava sendo entrevistado por uma jornalista e ela lhe perguntou o seguinte: “Que conselho o senhor daria aos pais?” E a resposta dele foi sublime: “Nenhum. Não dou conselhos. Apenas diria: A infância é muito curta. Muito mais cedo do que se imagina os filhos crescerão e baterão asas. Já não nos darão ouvidos. Já não serão nossos. No curto tempo da infância há apenas uma coisa a ser feita: viver com eles, viver gostoso com eles... ”
            Crianças se espelham em nós. Nossos exemplos ruins podem por vezes desmoronar as fortalezas dos sonhos infantis. Alguns em lamentáveis poucas vezes conseguem contornar, mas esperar que eles consigam isso é bem mais duro do que simplesmente incentivar algo que pode ser bom mesmo que momentâneo.
            Eu acredito em Deus sim. Acredito no Deus generoso que me deu o livre arbítrio e a consciência para discernir o que é realmente errado.


  

2 comentários:

  1. o Fato de seu pai não saber te criar e te ensinar verdadeiramente o que é o Amor de Deus, não significa que Deus seja um ser tirano que só destila veneno e julga pela Lei de Moisés (o sei la quem que você mencionou) mas oque te falta é um pouco mais de aprofundamento neste livro que consta o Ser supremo que é Deus e vc verá que de tirano Deus nao tem nada pelo contrário é um ser completamente misericordioso e está sempre nos ensinando coisas novas no dia dia cabe a nós sabermos ouvir a sua doce voz, mas como a propria biblia diz "Quem tem ouvidos ouça o que o Espirito diz as igrejas" Jesus quando chegou perto da mulher samaritana medite sobre este texto. João 4:9 eu tbm odeio o que os evangelicos ensinam pois não ensinam nada da verdadeira essencia que é a presença de Deus são religiosos semelhantes aos fariseus que Jesus tanto citou quando esteve por aqui, so te digo uma coisa a religião só nos afasta do Deus verdadeiro.

    Parabens pelo blog.
    "Jones"

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  2. Olá Jones,

    Concordo que Deus é maravilhoso. Eu sou formada em Teologia, estudei mais do que você pensa da Biblia, frequentei uma igreja evangelica por 18 anos, isso também me da bastante bagagem para falar sobre(rsrsrsr). Nesse texto falo sobre o que me ensinaram e não sobre o que realmente acredito. Tive uma criação dificil, que realmente me mostrou um Deus que não é verdadeiro, tenho certeza disso. Só para constar eu acredito em Deus! Porem da mesma forma que você! É isso que conto, como foi destorcida a forma que me ensinaram e que isso acontece muito.
    Obrigada pelas palavras maravilhosas que você deixou aqui para mim, pelo carinho com o blog e sua opnião. É muito valido e precioso para mim!!

    Até...

    Cris Ramos

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