sábado, 2 de abril de 2011

Demônios e deuses

                 Reza a lenda que existiu em uma cidade um homem curandeiro.
                 A cidade era pequena, no interior, muito pouco conhecida. Ele morava ainda mais isolado de toda a civilização, embrenhado na mata.
                Alguns diziam que ele era mau, que fazia feitiços. Para uns, tudo que acontecia de ruim na cidade era culpa do curandeiro que se escondia para não pagar por seus crimes. Para outros ele era um deus. Fazia com que a cidade caminhasse mais leve, tranqüila, pois ficava na mata fazendo preces para todos ali.
                Certa vez esteve na cidade um casal, parentes de um dos moradores. Ali ficaram por uma semana... Visitaram muitos amigos dos anfitriões. Foram a uma quermesse, no final de semana e ouviram muitas histórias. Entre elas, uma sobre o curandeiro que se escondia na mata. Ficaram extremamente intrigados, mas tinham que ir embora e não puderam explorar a respeito disso.
                O tempo passou calado e na cidadezinha tudo corria normal como sempre acontece em cidades pequenas. Pessoas iam e viam e os mitos seguiam, principalmente em torno do curandeiro. E nessa calmaria se passaram 15 anos e aquele casal voltou à cidade, agora com seu filho e um amigo dele de 10 anos. As crianças amaram a cidade, andavam numa liberdade que nem sabiam que existia. O casal, por pouco se lembrar do caso do curandeiro e na tranqüilidade da cidade pequena deixou as crianças bem à vontade.
                Ávidos por novidades corriam para lá e para cá e numa dessas idas entraram pela mata. Ficaram encantados com toda a flora e fauna existentes ali. Foram andando como se não existisse relógio no universo e, quando menos esperavam, encontraram uma casinha simples, envolta por altas árvores, porém muito limpa. Do lado de fora um varal com algumas roupas bem limpas penduradas. As janela abertas e tudo bem claro. Eles pararam atônitos e em suas mentes se perguntavam como poderia alguém viver ali, sem a mínima modernidade possível.
                Eles, ainda inertes em suas vagações a respeito da possibilidade de viver assim, não perceberam que um senhor se aproximara e ele ficara parado observando os meninos assustados com o que viam ali. Sem que os assustasse, o senhor se deixa ver. Os meninos por um instante ficaram com medo, porém logo o curandeiro lhes disse:
                _Olá meninos. Que coisa boa receber visitas, nunca alguém vem por essas bandas!
                Os meninos ainda estavam impressionados. Aquele senhor era branco como a nuvem, tinha os cabelos loiros como o sol e olhos azuis como o mar. Sempre se imagina que vivam em lugares assim índios com caras amarradas, pouca roupa e muita bugiganga espalhada por todos os lugares.
                O homem estava bem vestido e por mais simples que fosse a casa ainda tinha certo refino. Então, como que se acordando de um longo sono, os meninos ainda ressabiados, mas extremamente curiosos responderam:
                _Olá nos só estávamos brincando e passeando. 
                _Oh que coisa boa! – disse o homem – Passear e brinca sempre é muito bom mesmo. Vocês não querem entrar para conversarmos e quem sabe brincarmos um pouco?
                Os meninos sabiam que não se recomenda dar muita atenção a estranhos, porém aquele homem era um estranho diferente. Ele emanava, sem muito dizer, uma calma e paz nunca vista para aqueles meninos. Então eles resolveram entrar. Lá dentro ficaram ainda mais surpresos. A casa tinha três cômodos. Uma cozinha com fogão a gás, geladeira e uma mesa redonda ao canto. Um quarto com uma cama de casal muito bem arrumada e tudo muito limpo. A sala foi o que mais surpreendeu. Nela havia uma pequena mesa em um canto com uma máquina de escrever, uma poltrona confortável, estantes e mais estantes cheias de livros de todas as cores e tamanhos. Ficaram ali parados olhando tudo extremamente admirados e lhes bateu a curiosidade de perguntar:
                _O que o senhor faz aqui escondido no meio da mata? Dizem que o senhor é um bruxo. Alguns dizem que faz maldade e outros, só bondade.
                O senhor soltou uma longa risada e contou aos meninos:
                _Eu sou um escritor e gosto de vir para cá escrever. Não fico aqui todo o tempo não. Por diversas vezes já estive na cidade e nem fui notado. Venho para cá quando quero escrever uma nova história para os meus livros, por isso a máquina e os livros que tenho aqui...
                Essa historia se assemelha aos demônios e deuses que por vezes inventamos em nossa mata interior para vivermos nossas vidas sem a coragem para mudar ou melhorar. Precisamos às vezes ter a coragem infantil para irmos dentro de nós e descobrir quem são os demônios ou deuses que podem por vezes nos surpreender com a possibilidade de sermos nós quem complicamos as coisas e, que os demônios por vezes podem até nos ajudar.

2 comentários:

  1. PERFEITO!
    Essa é a palavra que melhor define este texto, esta crônica.
    VocÊ Cris já tinha me surpreendido uma vez, mas agora me surpreendeu mais ainda...
    Nossa, apaixonante tudo isso que você escreveu e tenha a CERTEZA que estou descobrindo os meu demônios e deuses, para ressurgir de maneira clara e pronta para a felicidade.

    TE AMO MINHA AMIGA!

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  2. Os preconceitos são realmente monstros nas nossas vidas. Na minha visão, as crianças representam a "brecha na armadura", a fenda que existe no muro que criamos entre nós e os outros, seja por proteção, por arrogância ou burrice mesmo. Essa coragem citada no texto é, para mim, a chance de sermos um ser humano melhor, nos colocando na posição de que somos todos iguais e quem sabe assim, aprendermos a construir pontes no lugar das paredes.

    Parabéns, Cris! Admiro muito você. <3

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