quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Os velhos também amam


            Era outono. As folhas caíam sem pudor como os dias se vão em nossas vidas.
            Da janela do apartamento Filomena olhava com lágrimas nos olhos.
            Seu marido havia falecido e naquele dia estava fazendo um ano da despedida. Como doía olhar em volta e enxergar apenas o vazio que a falta dele lhe deixara. Mas a vida seguia, ela tinha que seguir.
            Aquele dia foi atordoante, por vezes aniversário de perdas são ainda mais marcantes do que a perda em si. Os anos por vezes nos dão a sensação de eternidade.
            Desde a morte de seu marido Filomena se voltara para a solidão, seus filhos já crescidos não podiam ter a dimensão de toda a sua dor. Uma dor que doía calada e solitária.
            E os dias, meses e anos se seguiram assim. Todo aniversário da despedida era uma dor incansável.
            Passados dez anos, Filomena ainda sentia a perda de seu amado. Mas a vida mudara. Ela havia se inscrito em um grupo da terceira idade. Seus dias corriam cheios de atividades e outras pessoas surgiram em sua vida.
            Naquele ano estavam todos envolvidos na festa de final do ano. Essa festa era considerada por todos maravilhosa e sempre era muito esperada. Filomena como todos, estava ansiosa. Aquela seria uma possibilidade de um fim de ano diferente.
Em casa enquanto se arrumava para sair, abriu o guarda roupa viu uma camisa de seu amado pendurada. Ela deixara lá para sempre lembrar sua existência. Uma lágrima correu e ela pensou que ele poderia estar com ela naquele momento. Logo se recompôs, acabou de se arrumar e foi para a festa.
            Chegando a festa Filomena logo começou a conversar com todos. Riam, brincavam, dançavam. Filomena não percebeu um olhar distante que tanto a observava. Em certo momento em que estava parada num canto do salão, um homem lhe convida para dançar, ela aceita. No meio da dança começam a conversar. Carlos era um senhor de setenta e cinco anos, alto, moreno e muito cheiroso. Filomena estremeceu pelo seu toque, as mãos de Carlos eram muito macias. Logo lhe vem à mente seu falecido marido. Ela desvia os pensamentos. Filomena não concebia amar outra pessoa, muito menos aos sessenta e nove anos. Com esses pensamentos deu a desculpa de que estava cansada e pediu para parar de dançar. Carlos imediatamente obedece e caminhou com ela até uma mesa que estava próxima.
            Sentados eles começaram a conversar e Filomena foi gostando demais daquele desconhecido. Carlos era gentil, doce e conversava muito bem. E assim ficaram o resto da festa. Quando Filomena resolve ir embora Carlos pergunta se pode acompanhá-la até em casa. Ela, por toda a gentileza dele, aceita.
            No caminho continuaram a conversar. ‘Como Carlos é agradável’, pensava ela.
            Chegando em casa ela se despede e Carlos lhe pede o telefone. Ela para por um momento, reflete e lhe diz:
            _ Carlos você é um homem muito agradável. Sei bem de suas intenções e me sinto até mesmo lisonjeada. Porém sou uma viúva de respeito. Tenho dois filhos que não gostariam nada disso. Fui muito apaixonada por meu marido e mesmo depois de dez anos ainda sinto sua falta. Não vejo onde outro homem poderia preencher esse espaço. Aos sessenta e nove anos acho bastante complicado que nossa relação possa dar certo. Espero que você possa me entender.
            Carlos franze a testa, mas continua com um olhar encantado por Filomena, respira fundo e diz:
            _ Respeito sua posição e jamais faria algo que pudesse te ofender ou até mesmo ir contra sua filosofia de vida. Mas se me permite, gostaria de lhe deixar uma reflexão.
            _ Claro. _ Diz Filomena ainda mais encantada por Carlos por conta de sua delicadeza.
            _ O que seria de nos se pudéssemos amar apenas uma vez? Sou velho e também tenho filhos, mas lhes ensinei que antes de ser seu pai, sou ainda indivíduo.       Ante sua resistência fica meu lamento, porém nunca a falta de esperança.     

Nenhum comentário:

Postar um comentário