Era outono. As folhas caíam sem pudor como os dias se vão em nossas vidas.
Da janela do apartamento Filomena olhava com lágrimas nos olhos.
Seu marido havia falecido e naquele dia estava fazendo um ano da despedida. Como doía olhar em volta e enxergar apenas o vazio que a falta dele lhe deixara. Mas a vida seguia, ela tinha que seguir.
Aquele dia foi atordoante, por vezes aniversário de perdas são ainda mais marcantes do que a perda em si. Os anos por vezes nos dão a sensação de eternidade.
Desde a morte de seu marido Filomena se voltara para a solidão, seus filhos já crescidos não podiam ter a dimensão de toda a sua dor. Uma dor que doía calada e solitária.
E os dias, meses e anos se seguiram assim. Todo aniversário da despedida era uma dor incansável.
Passados dez anos, Filomena ainda sentia a perda de seu amado. Mas a vida mudara. Ela havia se inscrito em um grupo da terceira idade. Seus dias corriam cheios de atividades e outras pessoas surgiram em sua vida.
Naquele ano estavam todos envolvidos na festa de final do ano. Essa festa era considerada por todos maravilhosa e sempre era muito esperada. Filomena como todos, estava ansiosa. Aquela seria uma possibilidade de um fim de ano diferente.
Em casa enquanto se arrumava para sair, abriu o guarda roupa viu uma camisa de seu amado pendurada. Ela deixara lá para sempre lembrar sua existência. Uma lágrima correu e ela pensou que ele poderia estar com ela naquele momento. Logo se recompôs, acabou de se arrumar e foi para a festa.
Chegando a festa Filomena logo começou a conversar com todos. Riam, brincavam, dançavam. Filomena não percebeu um olhar distante que tanto a observava. Em certo momento em que estava parada num canto do salão, um homem lhe convida para dançar, ela aceita. No meio da dança começam a conversar. Carlos era um senhor de setenta e cinco anos, alto, moreno e muito cheiroso. Filomena estremeceu pelo seu toque, as mãos de Carlos eram muito macias. Logo lhe vem à mente seu falecido marido. Ela desvia os pensamentos. Filomena não concebia amar outra pessoa, muito menos aos sessenta e nove anos. Com esses pensamentos deu a desculpa de que estava cansada e pediu para parar de dançar. Carlos imediatamente obedece e caminhou com ela até uma mesa que estava próxima.
Sentados eles começaram a conversar e Filomena foi gostando demais daquele desconhecido. Carlos era gentil, doce e conversava muito bem. E assim ficaram o resto da festa. Quando Filomena resolve ir embora Carlos pergunta se pode acompanhá-la até em casa. Ela, por toda a gentileza dele, aceita.
No caminho continuaram a conversar. ‘Como Carlos é agradável’, pensava ela.
Chegando em casa ela se despede e Carlos lhe pede o telefone. Ela para por um momento, reflete e lhe diz:
_ Carlos você é um homem muito agradável. Sei bem de suas intenções e me sinto até mesmo lisonjeada. Porém sou uma viúva de respeito. Tenho dois filhos que não gostariam nada disso. Fui muito apaixonada por meu marido e mesmo depois de dez anos ainda sinto sua falta. Não vejo onde outro homem poderia preencher esse espaço. Aos sessenta e nove anos acho bastante complicado que nossa relação possa dar certo. Espero que você possa me entender.
Carlos franze a testa, mas continua com um olhar encantado por Filomena, respira fundo e diz:
_ Respeito sua posição e jamais faria algo que pudesse te ofender ou até mesmo ir contra sua filosofia de vida. Mas se me permite, gostaria de lhe deixar uma reflexão.
_ Claro. _ Diz Filomena ainda mais encantada por Carlos por conta de sua delicadeza.
_ O que seria de nos se pudéssemos amar apenas uma vez? Sou velho e também tenho filhos, mas lhes ensinei que antes de ser seu pai, sou ainda indivíduo. Ante sua resistência fica meu lamento, porém nunca a falta de esperança.
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