terça-feira, 10 de abril de 2012

Eu era um cara mau


Eu sempre tivera medo do escuro. É incrível a quantidade de coisas que você consegue pensar de ruim durante o escuro. Todos acabam se tornando paranóicos diante do escuro. É triste, muito triste como você fica refém no escuro do pensamento. Comigo não era diferente. Por mais que eu fosse um cara mau, sim eu era muito mau, eu ainda era humano e claro tinha um ponto fraco. Meu ponto fraco era o escuro. Eu vivia sozinho naquele quarto de pensão alugado. Um sofá pequeno e velho, completamente rasgado, onde também me servia de cama, não sei como ainda conseguia me erguer por completo sobre as pernas, todos os dias acordava com o corpo completamente dolorido, um banheiro que desconhecia limpeza, eu odiava limpar as coisas, sempre achei que tudo tinha um charme a mais com o aspecto de sujeira, talvez por isso eu vivesse sujo, um fogão velho, com uma panela, um copo e um prato de plástico. Ainda tinhas meus trapos que eu dignamente chamava de roupa. Esse era o lugar que eu chamava de casa. Minha vizinhança estava longe de viver em melhores condições que eu. Mas honestamente não me interessava como eles viviam. Eu era mau porra. Eu botava medo fácil demais. Aliás minha cara suja e com uma enorme cicatriz na testa facilitavam esse processo. Só sei que quando eu passava pelos corredores da pensão, as pessoas se recolhiam as pressas. Isso era fascinante pra mim. Eu passava como um rei pelos corredores da pensão e não só ali. Minha fama já se fazia prevalecer por toda a cidade. Mas como qualquer outro eu tinha um ponto fraco. O meu ponto fraco era o escuro. Eu não dissera isso para ninguém. Esse era meu segredo mais secreto de todos. Eu não saberia conviver com a decadência da minha fama de cara mau. Em um dia nublado, lá estava eu no bar do Quincas, o único cara no mundo que tinha meu respeito. Ele conseguia me parar apenas com um olhar. Não que eu tivesse medo dele, Quincas era tão magro que o vento era capaz de carregá-lo. Eu tinha mesmo era o maior respeito por aquele cara que me recebia em seu bar como um cliente normal por tantos anos. Ele me vira se transformando no cara mau que eu era. O Quincas era um cara bacana. Pois bem, eu estava no bar do Quincas em um dia nublado. Tudo certo como sempre, pedira a Quincas meu drink normal e que já era meu habito beber. Tudo estava completamente normal. Eu bebia tranquilamente meu copo de cuba libre quando a luz acabou. Caramba eu era o fodido que tinha medo do escuro naquele momento. Tudo era um completo breu. Até na rua a luz havia acabado. Quincas gritou “Pessoal pode ficar tranqüilos porque eu vou buscar umas velas já.”. Isso não amenizou meu medo. Porra eu era refém do escuro. Eu já estava debaixo da mesa naquele momento. Quando minha mão tocou o chão senti que tinha alguma coisa em que eu tinha colocado a mão sem querer, o bar do Quincas estava longe de ser conhecido pela limpeza exemplar, eu dei um salto, joguei a mesa pro ar e estava gritando, pulando feito um idiota quando a luz voltou. Todos me olhavam sem entender nada. O cara mau estava lá igual um bosta gritando e pulando com medo de alguma coisa. Eu não conseguia me conter, não conseguia me acalmar. Com os olhos fechados não percebi que a luz havia voltado. Demorou um pouco para que me desse conta. Na verdade só dei conta quando ouvi as pessoas rindo compulsivamente. Abri os olhos devagar e fui percebendo o ridículo em que me metera. Eu era um bosta que tinha medo do escuro. Caramba, acabara de perder todo o meu respeito daquelas pessoas. Tirei um dinheiro do bolso, coloquei sobre o balcão e sai o mais rápido que pude do bar. Enquanto acelerava meu passo um pensamento me aterrorizava ‘Não posso voltar tão cedo no bar do Quincas.’ Eu amava aquele bar, era uma da poucas alegria que eu tinha. De qualquer forma precisava esperar um tempo, seria melhor pra minha reputação. Eu caminhava e uma lágrima escorria, tratei logo de enxugar e me recompor. Eu era um cara mau, não havia lugar para fraquezas. Eu tinha o medo das pessoas. Quanto aquilo que eu coloquei a mão embaixo da mesa, não faço idéia do que era, acho que é melhor assim.
           

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